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Isabel Miguéns de Almeida Bouças

No ano em que se comemoram os 650 anos de elevação a vila, fomos conhecer a segunda mais antiga instituição do Concelho e o seu trabalho guiados pela provedora Isabel Miguens de Almeida Bouças.

 Há 40 anos, quando veio morar para o concelho, não conhecia ninguém na Santa Casa da Misericórdia de Cascais (SCMC). Mas foi até lá perguntar se precisavam da ajuda de alguém da sua área de formação, ciências sociais. Foi contratada. O antigo Hospital de Cascais, antes administrado pela SCMC, tinha acabado de ser nacionalizado. A creche José Luís, Farmácia, três bairros sociais do concelho e a Praça de Touros eram, na época, o património da instituição. Em 1975 a SCMC estava a iniciar uma nova fase da sua já longa existência, e Isabel Miguéns de Almeida Bouças fez parte desse recomeço. Hoje, cumpre o seu segundo mandato de Provedora da instituição que, depois da Câmara Municipal, é a entidade mais antiga do concelho e também o segundo maior empregador. Com mais de 600 colaboradores, a Santa Casa presta um insubstituível apoio social diário, a mais de 5000 cascalenses. Fomos conhecer uma das mais importantes instituições do concelho através da memória e das histórias da sua provedora.

 Senhora Provedora, nasceu no Alentejo, em Cabrela. Conte-nos um pouco do seu percurso antes de chegar a Cascais.

A minha primeira experiência profissional, já licenciada, foi em Évora. Mais concretamente na área da Saúde Mental. Porém, a prova de fogo aconteceu em 1972. Foi nesse ano que fui com o meu marido, um militar, para a Guiné Bissau. Lá passei dois anos, a trabalhar na área da intervenção social do hospital. A minha incumbência era tratar do alojamento das famílias que acompanhavam os doentes. Muitas fugiam da guerra e sentiam-se protegidas dentro do hospital. “Traziam tudo o que tinham: que era nada”. Todos os dias era confrontada com o que não havia e com respostas que não existiam.

 Como é que se pode medir a “pegada social” da Santa Casa no território?

 Quando comecei a colaborar com a SCMC, tínhamos apenas a gestão da Creche José Luís, Farmácia, de três bairros de habitação social e da Praça de Touros. Quarenta anos depois gerimos 44 unidades de atividade, desde creches a lares. Em algumas zonas, como Manique, Alcoitão, Arneiro, Abóboda, Bairro Novo do Pinhal, fomos pioneiros na abertura de creches e a integrar crianças com necessidades educativas especiais. Ainda pouco se falava em habitação social e a SCMC já tinha dado os primeiros passos nesta área. Críamos em Cascais a primeira unidade terapêutica para apoiar toxicodependentes. A Segurança Social confiou-nos a gestão do Centro Social de Apoio Social do Pisão e também do Centro de Alojamento Temporário de Tercena. Ao longo de várias décadas temos merecido o reconhecimento não só das entidades locais, mas também nacionais. Penso que isso só acontece porque confiam na instituição.

 É por confiarem no vosso trabalho que acabam também por vos confiar a administração de bens…

Devo dizer que o que mais nos surpreende são as doações que nos chegam de pessoas que não conhecemos.

 Por exemplo?
Olhe, como a herança que nos foi legada pela Professora Maria Ofélia Leite Ribeiro que hoje dá nome à Residência Sénior em Alcabideche. Também a Casa que acolhe o Centro de Dia de S. Miguel, em Alvide, foi doada. E noutros tempos os Condes de Castro Guimarães doaram dinheiro para a construção do Antigo Hospital de Cascais, que recebeu o nome dos beneméritos. O Sr. Jorge de Brito também doou dinheiro para a construção de habitação social.

Mas recordo-me também de uma senhora que há uns anos me trouxe um simples papel escrito à mão pelo tio que dizia que por sua morte deixava 20 mil contos (100 mil euros) da sua herança à SCMC. Fico emocionada quando recordo o gesto nobre e honesto desta senhora.

 Para si quais são as obras mais importantes que a Santa Casa construiu no concelho de Cascais ao longo destes anos?

A Santa Casa foi criada em 1551 e ao longo dos tempos soube sempre adaptar-se às mudanças socias. Nos primórdios da sua existência, resgatava os escravos e presos que aqui chegavam. Nos anos 40 do seculo XX, o antigo Hospital Condes de Castro Guimarães foi, sem dúvida, a grande obra da SCMC que beneficiou toda a comunidade. No mesmo período surgiram também os primeiros bairros de habitação social no Concelho (Bairros Irene, Maria e Marechal Carmona). Atualmente, a educação, a deficiência e os idosos, são as nossas áreas de atividade mais estruturantes.

Foi nomeada para o seu atual cargo em 2009. Qual é o papel da Provedora?  

Zelar pelo cumprimento da missão dos objectivos da instituição. Esforço-me por compatibilizar os interesses da sociedade com os da instituição. E nesse aspeto não podemos ignorar os sinais que todos os dias a sociedade nos dá para que, na altura certa, possamos ajudar quem mais precisa. Há que fazer mais e melhor, mesmo com menos orçamento. Este é o “peso” da responsabilidade de quem “veste a camisola” de uma instituição como esta. Mesmo com a crise económica que a todos afeta prosseguimos com a missão de prestar apoio regular a mais de 5000 pessoas, sem esquecer os 600 funcionários que são parte integrante da instituição e cujas famílias também foram afetadas por este momento conjuntural. A nossa prioridade é a dimensão social.

Cascais comemora este ano os 650 anos de elevação a Vila e a sua história está inevitavelmente cruzada com a da Santa Casa, que tem mais de cinco séculos. Como é a relação da instituição com a autarquia ao longo dos tempos?

A Câmara de Cascais sempre ajudou a SCMC a cumprir a sua missão. Noutros tempos, o apoio fez-se em sentido inverso, da Santa Casa da Misericórdia de Cascais para a Câmara Municipal. E agora a Santa Casa da Misericórdia devolve todo esse apoio com toda a intervenção que está espalhada pelas 44 unidades de actividades.  A seguir à Misericórdia Porto, somos a segunda a nível nacional que mais pessoas apoia. Temos ótimas relações com a autarquia e também com outras entidades concelhias. Se assim não fosse o nosso concelho passaria por mais dificuldades.

 Que tipo de respostas sociais pode a SANTA CASA oferecer hoje a Cascais?

 Todos os dias apoiamos cerca de 5000 pessoas. Desde creches a lares, centros de dia e de convívio, apoio domiciliário, apoio alimentar, ajudas técnicas, atl’s, trabalho comunitário e famílias fragilizadas, o Centro de Apoio Social do Pisão, que acolhe 340 pessoas de ambos os sexos em regime de internamentos adultos com patologia psiquiátrica, e do Centro de Acolhimento Temporário de Tercena que acolhe 48 crianças / jovens em risco que, por decisão judicial, nos são confiadas.

Há vozes que dizem que as misericórdias são instituições ricas mas que mesmo assim é raro conseguir-se uma vaga nas suas creches ou lares. É verdade ou exagero?  

Em Cascais contamos com o apoio da autarquia e da Segurança Social. E, numa atitude empreendedora, para ajudar a acudir às necessidades das centenas de pessoas que todos nos dias dependem da nossa ajuda, desenvolvemos três áreas de negócio: Farmácia da Misericórdia, Bom Apetite (pronto-a-comer) e a Residência Sénior Professora Maria Ofélia Ribeiro. Algumas das rendas dos bairros sociais da SCMC não são atualizadas há anos. Penso que no que diz respeito à habitação, a lógica do social deveria ser “dar a vez a outro”. Infelizmente, mesmo quem já não precisa, muitas vezes não quer abdicar dessa ajuda. Quase todas as misericórdias têm património histórico, mas não é património de rendas. Há quem pense que as misericórdias recebem dinheiro do Euromilhões ou do Totoloto, mas não é verdade. Apenas a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tem a exclusividade dos Jogos porque financia as instituições da cidade. No nosso caso, não pretendemos mais do que chegar ao final do mês e termos o dinheiro que precisamos para o funcionamento da instituição. Nos últimos meses, temos promovido eventos solidários no Casino Estoril que nos permitem angariar alguns fundos para fazer face às despesas com o aumento dos pedidos de apoio que todos os dias nos batem à porta. A maioria das Misericórdias hoje em dia, vivem da sua gestão. Terá que ser social e economicamente equilibrada.

Senhora provedora, quais deverão ser as linhas mestras de intervenção social no concelho de Cascais nos próximos anos?

As circunstâncias sociais são muito complexas e as famílias estão a passar por grandes dificuldades. Penso que o problema da habitação a preços compatíveis será uma das necessidades, que se destaca, mas a problemática do envelhecimento será a questão mais emergente. Preocupa-nos muito o facto de não existir um lar qua acolha aqueles idosos cujos rendimentos não lhes permite ter acesso aos lares sociais, mas que também não têm meios para pagar um lar privado. Na Residência Sénior das Figas, o nosso lar social, temos uma lista de espera. Por outro lado, no nosso lar particular, Residência Sénior Professora Maria Ofélia Ribeiro que nos ajuda a cobrir os custos das nossas atividades de apoio social, mantemos ainda algumas vagas, assim como a nossa escola do 1º ciclo, Centro Alfredo Pinheiro, que apesar da qualidade pedagógica também tem mantido algumas vagas. Cascais tem feito muito para ajudar a combater a solidão que afeta cada vez mais idosos, mas acho que entre todos os parceiros sociais conseguiríamos fazer mais e melhor.

Qual é o princípio que defende no seu dia-a-dia à frente de uma das mais prestigiadas instituições do concelho?

O trabalho social só é sério se for feito como se fosse para nós. A pobreza é redonda. Amanhã podemos ser nós a necessitar de apoio. Há pessoas que já viveram muito bem, mas agora precisam de ser ajudadas. Neste tempo de dificuldades quero muito consolidar e racionalizar todo o trabalho social que a SCMC conseguiu fazer até agora.

 Entrevista - Boletim "C" - abril de 2014

 

Cascais Digital

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