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Gente que fica na história da história da gente | Fernando Lopes Graça

Jorge Costa Pinto, maestro de Cascais, homem do mundo, celebra precisamente 60 anos de carreira em 2014. Aceitou o desafio de partilhar com os leitores as memórias de um dos vultos da música portuguesa, de quem, aliás, foi aluno: Fernando Lopes Graça. As próximas linhas são uma viagem biográfica à vida do pedagogo, escritor e músico, cujo trabalho se encontra em destaque no Museu da Música Portuguesa, no Monte Estoril.

Pedagogo
Fernando Lopes Graça foi professor na Academia de Amadores de Música, em diversas disciplinas, durante largos anos.  Nos primórdios dos anos 50, do século XX, frequentei aquela instituição estudando teoria, piano e composição. Foi na aula de teoria da música a primeira vez que o vi, quando entrou na sala e perguntou se algum aluno tinha disponibilidade para integrar o coro que ele estava formando... creio que alguns colegas aceitaram o convite! Mais tarde fui seu aluno nos 3º e 4º anos de piano e também nos cursos de harmonia e composição.   Lopes Graça foi professor exigente, interessado em que o aluno obtivesse as melhores notas.

Escritor

Lopes Graça enriqueceu a bibliografia musical portuguesa contemporânea, com as dezenas de livros que escreveu ao longo da sua vida. Critica, crónica, ensaio, biografia, memória, foram assuntos que tratou nos seus escritos.

-’Viana da Mota - Subsídios para uma Biografia’ - Sá da Costa, Editora-1949. - Graça transcreve alguma troca epistolar com Viana da Mota e também notas críticas aos últimos concertos deste notável músico, são observações preciosas do ambiente musical vivido no país em meados da primeira metade do século XX.

-’A Música Portuguesa e os seus Problemas’ vol III, Edições Cosmos-1974. - Variados e múltiplos problemas acerca da música portuguesa, são motivos da crítica e análise de Lopes Graça.  Curiosa uma entrevista, face ao que atualmente ocorre em referência ao fado, na - “fala sexta”-  inserta neste volume em que o jornalista lhe põe a questão:  - Repudia a ideia comummente espalhada de que o fado é a ‘canção nacional’ por excelência?  Graça diz: Sim, repudio em absoluto. E confesso que não há slogan’ nenhum a respeito de Portugal que mais me irrite do que esse. O conceito de canção nacional por excelência já é falso a respeito de qualquer povo ou nação. Quanto mais o não é a respeito de um povo, o povo português, que possui um folclore poético-musical tão rico e tão autêntico, que, infelizmente, até os próprios portugueses tendem a subestimar em benefício de uma canção incaracterística e bastarda, qual é o fado!

-’A Caça aos Coelhos e Outros Escritos Polémicos - Edições Cosmos-1976. - Polémica contundente e escandalosa entre o autor e o compositor Ruy Coelho, que Graça considerava o compositor oficial do Estado Novo. Ruy Coelho foi o primeiro compositor português a escrever para ballet, a sua obra A Princesa dos Sapatos de Ferro é pioneira no acervo da música portuguesa.

Músico

Graça inicia-se na música por acidente, como descreve de forma muito peculiar no seu livro Disto e Daquilo (Edições Cosmos-1973) na crónica “Recordações em Dó Maior”...começa aos onze anos a dedilhar no piano caseiro na procura de reproduzir as melodias que ouvia por onde andava, Margarida vai á Fonte, O sole Mio, e outras, tudo de ouvido! Mais tarde tem ajuda de professora amiga que lhe dá as primeiras noções da leitura musical.

Na casa materna, em Tomar, descreve, com humor, como foi absorvendo o conhecimento da grande (!) música. Cavalleria Rusticana, Palhaços, Viúva Alegre, Danúbio Azul - pela audição dos concertos dominicais que a Banda de Música do Regimento de Infantaria 15, promovia na Praça da República, hoje Praça de D. Manuel I. Outros organismos musicais existiam entre os quais a Banda Republicana Marcial Nabantina e a Sociedade Filarmónica Gualdim Pais. 

Com muita graça, Lopes Graça diz: Sempre que as duas bandas se encontravam, tínhamos a música desafinada. Festa ou romaria abrilhantada por ambas elas desandavam em heróica e homérica refrega, da qual saíam os trombones amachucados, as flautas rachadas, os bombos estoirados, à força de serem utilizados como armas agressivas ou pararem os golpes do adversário. (...) Aquilo era mesmo como as actuais e por vezes sangrentas lutas entre “benfiquistas” e sportinguistas”...(!) É o compositor português com mais obras gravadas em disco. É vasta a obra composicional que o músico escreveu, grande parte está produzida em suportes fonográficos editados por empresas nacionais e internacionais. 

Contudo um melómano, músico amador, Romeu Pinto da Silva, alto quadro da Direcção-Geral das Artes, Secretaria de Estado da Cultura, imbuído de grande perseverança em proteger o património musical nacional, com a criação da Discoteca Básica Nacional, proporcionou a Lopes Graça a gravação de muitas das suas obras orquestrais e de câmara, nas últimas décadas do século XX,  que de outro modo certamente hoje não teríamos o ensejo de escutar. Na minha condição de músico e produtor musical tive oportunidade de ter colaborado em muitas dessas gravações.Um acontecimento me surpreendeu, em trabalho de gravação de obras para canto e piano, com Lopes Graça a meu lado na sala de controle e colaborador lírico, recentemente chegado de Itália, na sala onde se procedia a captação do som com o pianista acompanhante. Depois de ter observado que por vezes o tal intérprete não respeitava algumas das notas escritas na partitura, o compositor e cantor travaram-se de razões, altamente excitados, que só não chegaram a vias de facto por intervenção do produtor e a gravação chegou ao fim sem nunca ter visto a luz do dia. Conheci o Graça temperamental!

Foi uma vivência muito estimulante pela aprendizagem, pelo conhecimento, pela amizade que mantivemos até final dos seus dias, Novembro de 1994. Paz à sua alma.

Cascais Digital

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